Os ataques a instalações da petroleira da estatal Aramco na Arábia Saudita no fim de semana provocaram uma disparada nos preços do petróleo, com o barril de Brent registrando nesta segunda-feira (16) a maior alta durante uma sessão desde a Guerra do Golfo, em 1991. Isso em meio a preocupações com a redução da oferta global da principal fonte de combustível do planeta e a elevação da tensão geopolítica entre Estados Unidos e Irã.
Os danos provocados pela ação do sábado (14), na qual foram usados supostamente drones, cortaram pela metade a produção do maior exportador mundial de petróleo. Ela ficou reduzida a de cerca de 5,7 milhões de barris por dia, o que representa mais de 5% do suprimento global atual.
As autoridades sauditas ainda não informaram quanto tempo será necessário para restabelecer plenamente a produção nas instalações destruídas. Analistas acreditam que podem ser necessárias várias semanas ou até meses para o país voltar à normalidade.
As incertezas geopolíticas e o risco de queda na oferta tende a manter os preços do barril de petróleo e dos combustíveis com viés de alta nos próximos meses, com impactos também nas bolsas e no comércio global.
No Brasil, as ações da Petrobras devem a ter uma valorização. Mas os analistas lembram que o preço da gasolina e do diesel podem ser elevados pela estatal, que mantém um política de preços alinhados aos do mercado internacional. Se eles se mantiverem em alta, em algum momento o aumento chegará às bombas dos postos de combustíveis, avaliam especialistas da área.
Por outro lado, a alta do preço do barril pode aumentar a arrecadação do governo federal e estados produtores com royalties e participações especiais, além de contribuir para aumentar o interesse das grandes petroleiras internacionais nos próximos leilões bilionários de áreas de exploração de óleo e gás no Brasil.
Entenda como foi o ataque e os principais reflexos e possíveis impactos:
Como foi o ataque e quem assumiu
Após o ataque, rebeldes iemenitas houthis – que são apoiados pelo Irã no conflito que acontece no Iêmen – disseram ter enviado dez drones para atacar as instalações da Aramco.
Desde 2015, a Arábia Saudita lidera uma coalização internacional que apoia o governo local do Iêmen e ataca os houthis. Em retaliação, os rebeldes têm feito vários bombardeios fronteiriços com mísseis e drones contra bases aéreas sauditas e outras instalações no país.
A Organização das Nações Unidas (ONU) e países ocidentais acusam Teerã de fornecer armas ao grupo, o que é negado pelo governo iraniano.
Disparada de preços do petróleo
Na abertura dos mercados nesta segunda, a cotação do petróleo tipo Brent, valor de referência internacional, disparou 19,5% em Londres, para US$ 71,95 o barril, a maior alta intradia desde 14 de janeiro de 1991, durante a Guerra do Golfo.
Eles fecharam o dia a US$ 69,02 por barril, avançando US$ 8,80 – ou 14,61%, em seu maior ganho percentual em um único dia desde pelo menos 1988, segundo a Reuters.
Já os futuros do petróleo dos Estados Unidos encerraram a sessão a US$ 62,90 o barril, alta de US$ 8,05 – ou 14,68%, maior avanço percentual diário desde dezembro de 2008.
Segundo informou a petroleira Aramco, os ataques de sábado provocaram uma redução de cerca de 5,7 milhões de barris por dia na produção, o que representa mais de 5% do suprimento global atual. A Arábia Saudita é o maior exportador global de petróleo e tem uma grande capacidade ociosa.
"Retirar mais de 5% da oferta global de uma única tacada – um volume que é maior que o crescimento da oferta acumulado em países de fora da Organização de Países Exportadores de Petróleo (Opep) entre 2014 e 2018 – é altamente preocupante", escreveram, em nota, analistas do banco UBS.
Os preços do petróleo reduziram o ritmo de alta nesta segunda, depois que o presidente norte-americano, Donald Trump, autorizou o uso de estoques de emergência de seu país para assegurar a estabilidade do suprimento.
Os preços médios estavam relativamente reduzidos nos últimos meses, uma consequência das reservas abundantes e dos temores de desaceleração da economia mundial, fatores que afetavam a demanda. A Opep chegou a estabelecer limites de produção para tentar manter a faixa de preço e evitar uma viés de baixa.
Estados Unidos acusam Irã; Teerã rebate
O secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, disse que não havia "provas de que os ataques tenham partido do Iêmen" e acusou o Irã de estar por trás da ação.
Em princípio, o presidente Donald Trump não citou diretamente o Irã, mas deixou claro que os Estados Unidos estão prontos para atacar, "dependendo da verificação", pois esperam conhecer a versão saudita para determinar como proceder. Mais tarde, ele deu entender que o Irã pode estar envolvido.
Para o governo iraniano, os Estados Unidos buscam um pretexto para retaliar. O presidente do Irã, Hassan Rouhani, afirmou que o ataque foi uma "resposta recíproca" do Iêmen.
"O povo iemenita exerce seu legítimo direito de defesa. Os ataques foram uma resposta recíproca à agressão contra o Iêmen que ocorre há anos", disse.
A Rússia considerou "inaceitável e contraproducente" discutir uma possível resposta aos ataques e que usar o incidente para aumentar as tensões é contraproducente.
"Propostas de ações retaliatórias difíceis, que parecem ter sido discutidas em Washington, são ainda mais inaceitáveis", afirmou o ministério de Relações Exteriores russo em um comunicado.
Já a China e a União Europeia (UE) pediram "moderação".
Aumento da tensão entre EUA e Irã
A relação entre os Estados Unidos e o Irã vem se deteriorando desde a eleição de Donald Trump. Em 2018, Trump cumpriu sua promessa de campanha e retirou seu país do acordo nuclear assinado em 2015.
Na época, os Estados Unidos alegraram que o Irã financiava grupos terroristas e não cumpria os termos do tratado – o que não foi confirmado por organizações independentes. Desde então, os americanos adotaram sanções que prejudicam a economia iraniana.
Em julho de 2019, o O irã ultrapassou o limite de 300 kg de urânio de baixo enriquecimento que foi previsto no acordo nuclear em retaliação contra as sanções americanas.
O urânio de baixo enriquecimento é usado para produzir combustível para reatores nucleares, mas, potencialmente, pode servir para a produção de armas nucleares. A violação dos termos abre espaço para a volta de sanções multilaterais que foram suspensas em troca de o Irã limitar suas atividades nucleares.
Perspectivas para o petróleo e mercados
Por enquanto, os investidores estão no aguardo de mais detalhes sobre o ataque e danos às instalações da Aramco e atentos a qualquer reação política aos acontecimentos.
A Opep informou que está avaliando o impacto dos ataques a instalações da Arábia Saudita e que ainda considera muito cedo para os membros da entidade tomarem medidas para aumentar a produção ou convocar uma reunião para discutir outras medidas.
Embora países como Arábia Saudita, Estados Unidos e China possuam centenas de milhões de barris de petróleo em armazenamento estratégico, o ataque aumentou também a preocupação em relação à vulnerabilidade das infraestruturas das petroleiras a ações com drones e a uma piora ainda maior nas relações entre EUA e Irã.
Analistas avaliam que a tendência é de muita volatilidade nos preços nas próximas semanas, em meio à maior aversão ao risco e dúvidas sobre o real impacto dos ataques na oferta global.
"Se a tecnologia de drones alterar o jogo de força no Oriente, isto [tendência de alta] pode se tornar mais grave", afirmou o economista-chefe da Necton, André Perfeito.
Aneeka Gupta, estrategista de commodities da Wisdom Tree, avaliou que os preços poderão chegar a até US$ 75 por barril se se a interrupção na produção da Arábia Saudita durar mais de seis semanas, segundo a BBC.
Para o sócio-diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, o preço do barril tende a se manter com viés de alta ao longo dos próximos três meses pelo menos.
"Ainda não sabemos se o preço do barril pode ir a US$ 70, US$ 80 ou para US$ 100. Ainda é muito cedo. O que ficou claro é que lá no Oriente Médio essas estruturas gigantes de petróleo são mais frágeis do que se imaginava, e isso influencia o preço", afirmou.
Para a agência de classificação de risco Moody's, os preços tendem a se manter pressionados mesmo após a retomada da produção saudita. "Preços mais elevados ajudarão os produtores e prejudicarão as refinarias no curto prazo, mas efeitos de mais longo prazo sobre as companhia de energia dependerão do tempo e da magnitude da menor produção da Aramco", disse o diretor-gerente Steve Wood.
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